Combatendo a obesidade infantil: leite materno e outras soluções

Antigamente, muitas pessoas acreditavam que “criança gordinha” era sinônimo de “criança saudável”, afinal, a desnutrição atingia milhões de crianças há algumas décadas e foi sendo combatida ao longo do tempo, apesar de persistir em locais mais pobres.

No entanto, a facilidade de acesso à alimentos industrializados e ultra processados, ricos em açúcares, gorduras e sal, muito calóricos e nocivos à saúde, somada a diminuição do tempo em que as crianças brincam e se movimentam colaborou com a transição da desnutrição para outro grave problema de saúde pública: a obesidade infantil.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é uma doença crônica caracterizada pelo excesso de peso e costuma ser causada pela associação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais, mas principalmente por maus hábitos alimentares e falta de atividade física.

Considerada uma epidemia mundial, a obesidade em meninas saltou de 0,7% em 1975 para 5,6% em 2016. Em meninos, a alta foi ainda maior: saiu de apenas 0,9% em 1975 para 7,8% em 2016. Como consequência, 124 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos ao redor do mundo estavam obesos em 2016.

Se o combate à obesidade infantil não avançar, em 2025 nosso país terá mais de 11,3 milhões de crianças e adolescentes com excesso de peso ou obesidade e haverá um aumento nos casos de doenças crônicas associadas como diabetes, pressão alta e colesterol alto, além do impacto psicológico, cognitivo e na disposição física dessas crianças.

Entenda as causas e consequências do excesso de peso nessa fase da vida e saiba como prevenir e combater a obesidade infantil, para que as crianças possam ter uma infância saudável e chegar à fase adulta com melhores hábitos alimentares!

O que é a obesidade infantil e quais são suas causas?

A obesidade infantil é uma doença que pode se desenvolver desde os primeiros meses até o décimo segundo ano de vida, definida pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo (gordura) no corpo causando o excesso de peso.

Sua origem é multifatorial, pois seu desenvolvimento sofre influência de fatores biológicos, psicológicos e socioeconômicos. O aumento da obesidade infantil ocorreu por conta da alteração na disponibilidade e tipo de alimento consumido, associada a diminuição na atividade física das crianças, resultando em desequilíbrio energético: mais energia sendo consumida do que gasta!

O desequilíbrio entre a ingestão e o gasto calórico e a inatividade física correspondem de 95 a 98% dos fatores exógenos (ou seja, “fora” do corpo) associados ao ganho de peso. Em menor proporção, por volta de 5%, os distúrbios pré-existentes como a genética, por exemplo, contribuem para o desenvolvimento da obesidade em crianças e adolescentes.

As crianças em geral ganham peso com facilidade devido a hábitos alimentares errados, estilo de vida sedentário, distúrbios psicológicos, problemas na convivência familiar entre outros. Mas, apesar do que muita gente imagina, a obesidade infantil não é causada simplesmente porque a criança está comendo demais, muitas vezes poucos  alimentos estão sendo consumidos, mas estes são muito calóricos provocando o ganho de peso.

A preocupação com a qualidade nutricional dos alimentos que são ofertados à criança é essencial!

Há alguns fatores importantes que podem causar a obesidade infantil e devem ser levados em conta:

  • Consumo de alimentos ricos em açúcar, gordura e sal: o consumo de alimentos como macarrão instantâneo, bolacha recheada, lasanha congelada, embutidos (mortadela, linguiça e salsicha), salgadinhos de pacote, achocolatados, refrigerantes, sorvetes, doces e frituras, em substituição à alimentos saudáveis (grãos e cereais integrais, frutas, legumes e verduras, carnes magras, ovos e laticínios). 1A alimentação dos pais também influencia os hábitos alimentares dos filhos, já que as crianças aprendem mais facilmente pelo exemplo e costumam reproduzir o que vêem.
  • Inatividade física: devido à violência nas ruas, as crianças brincam cada vez menos livres e acabam deixando de lado atividades ativas como jogar bola, pega-pega, pular corda, esconde-esconde e optam por passar horas em frente a tela da televisão, computador ou vídeo game, geralmente acompanhados por snacks não saudáveis e refrigerantes, consumidos sem atenção e, consequentemente, em maior quantidade.
  • Ansiedade: assim como os adultos, as crianças também podem sofrer de ansiedade. As preocupações podem ser decorrentes de inseguranças, compromissos escolares, vida social e problemas familiares que aumentam as tensões e precipitam um consumo de alimentos sem fome. Quando sofre piadas acerca do corpo na escola ou na vizinhança, a situação pode piorar e fazer com que a criança coma ainda mais para “fugir” da situação.
  • Depressão: a depressão entre crianças e adolescentes também tem sido cada vez mais comum e provoca alterações de apetite que pode fazer com que a criança perca a fome ou coma demais. A depressão também prejudica a disposição para praticar atividade física e faz com que a criança coma mais doces, especialmente o chocolate.
  • Fatores genéticos: pesquisas revelam que se um dos pais está acima do peso ou obeso, a criança tem 50% de risco de desenvolver a obesidade e se os dois são obesos a predisposição aumenta para 100%. Apesar do risco ser maior nestes casos é possível manter um peso adequado com hábitos alimentares saudáveis e atividade física regular.
  • Fatores hormonais: a obesidade infantil ainda pode ter relação com o desequilíbrio de alguns hormônios como o excesso de insulina, deficiência do hormônio de crescimento e níveis elevados de hidrocortizona ou estrógeno.

A publicidade direcionada às crianças também é um fator que contribuiu com o aumento da obesidade infantil no Brasil, pois os comerciais de TV exercem elevada influência no comportamento alimentar de crianças e, em sua maioria, anunciam alimentos com muitas gorduras, óleos, açúcar e sal, contrariando as recomendações de uma dieta saudável e balanceada.

Consequências da obesidade infantil para a saúde

Segundo a Federação Mundial de Obesidade, em 2025, 150 mil crianças e jovens no Brasil desenvolverão diabetes tipo 2, enquanto 1 milhão terão pressão arterial elevada. Outro dado preocupante é o número de crianças e jovens brasileiros que sofrerão com gordura no fígado – cerca de 1,4 milhão.

Entre as complicações decorrentes da obesidade infantil estão os problemas articulares, de pele, gastrointestinais, de crescimento, respiratórios e psicossociais, envolvendo sofrimento psicológico decorrente do preconceito social e discriminação com a criança que é julgada pelo comportamento alimentar.

É estimado que 30% das crianças que convivem com o excesso de peso na infância tendem a se tornar obesas na vida adulta, o que dificulta ainda mais a adoção de hábitos alimentares saudáveis e de atividade física regular.

Lembrando que os fatores que agravam a obesidade infantil no Brasil e os problemas de saúde associados, são a alimentação fora do lar, o aumento da oferta de refeições rápidas e o consumo de alimentos processados e industrializados.

A prevenção é o melhor remédio!

A obesidade infantil pode ser prevenida desde a barriga da mãe. É isso mesmo! O Índice de Massa Corporal (IMC) materno também vem sendo relacionado à obesidade infantil, pois quanto mais elevado o IMC da mãe, maior a chance da criança apresentar excesso de peso.

Estudos apontam que tudo que a mãe come durante a gestação e amamentação irá influenciar nas preferências alimentares do bebê e sua informação genética. Mesmo que a mãe tenha iniciado a gestação acima do peso, uma alimentação saudável durante a gravidez pode contribuir positivamente nas chances da criança desenvolver a obesidade.

O aleitamento materno exclusivo até os 6 meses do bebê é um fator de proteção tanto para a desnutrição quanto para a obesidade. O momento de introdução dos alimentos, a quantidade e o tipo destes alimentos sólidos que são acrescentados na dieta das crianças no início da vida, podem levar a um aumento do risco de desenvolver obesidade precocemente.

O desmame precoce e o crescente número de crianças que não receberam o aleitamento materno vem sendo associados à obesidade. Foi identificada uma prevalência de obesidade de 4,5% em crianças que nunca haviam sido amamentadas e de 2,8% naquelas que não receberam o aleitamento exclusivo até os seis meses de vida. A utilização de fórmulas lácteas, muitas vezes acrescidas de açúcares, amidos e farinhas, com o objetivo de engrossar o leite ao invés de priorizar a oferta de leite materno através da amamentação, expõe à criança ao risco da obesidade infantil.

O estômago do bebê ainda é pequeno e seu intestino imaturo, por isso o leite materno é a melhor opção, pois apresenta melhor digestibilidade e sua composição rica em açúcares, gorduras e fatores de proteção contêm tudo o que o bebê precisa para crescer e se desenvolver até o sexto mês de vida e continua sendo fonte importante de nutrientes após o primeiro ano.

Além disso, a alimentação e cuidados com a criança nesse período crucial que vai desde a concepção até o segundo ano, chamado de “primeiros 1000 dias” vai exercer um impacto na saúde que repercutirá por toda a vida.

Como oferecer uma alimentação saudável à criança?

Uma alimentação nutritiva e saborosa é essencial no combate à obesidade infantil, mas requer disciplina na ingestão alimentar que consiste em fixar o horário das refeições para melhorar o funcionamento do organismo e evitar aquela “fome de leão” típica de quem ficou muito tempo sem comer.

Fracionar a alimentação 5 ou 6 vezes ao dia, evitar alimentos calóricos como fast food, refrigerantes, salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, doces e sorvetes e consumir mais vegetais, hortaliças, frutas, além de aumentar a ingestão de água, é fundamental para manter o peso adequado.

É importante oferecer alimentos frescos, coloridos e atrativos às crianças, variando sempre a forma de preparo e apresentação para estimular o interesse e apetite. Os alimentos saudáveis devem fazer parte da rotina da família e não aparecerem apenas de vez em quando, para que não pareçam estranhos às crianças, que costumam rejeitar o que não conhecem.

Sempre que possível, leve as crianças à feira, apresente os alimentos e peça ajuda para escolher, permitindo que toquem e conheçam cada um deles. Na cozinha convide-os para ajudar e atribua tarefas para que participem na elaboração das refeições de acordo com a sua faixa etária. Estar inserido em todo o processo de preparo do alimento auxilia a aumentar o interesse e despertar a curiosidade pelos alimentos saudáveis.

O Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos de idadeelaborado pelo Ministério da Saúde aborda desde a importância do aleitamento materno exclusivo durante os 6 primeiros meses de vida do bebê, introdução gradual de outros alimentos como frutas, cereais, tubérculos, carnes e leguminosas, através de papas, até a transição completa para a alimentação da família após os 12 meses de vida da criança. Entre as recomendações, destacam-se também:

  • Redução do consumo de açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinho e outras guloseimas;
  • Moderação do uso do sal desde os primeiros anos de vida.

Crianças e atividade física

A atividade física é parte essencial do programa de perda peso e deve tornar-se permanente para um estilo de vida saudável. Os benefícios da atividade física podem incluir:

  • Queima de calorias;
  • Perda de peso;
  • Manutenção da massa muscular;
  • Auxílio na saúde dos ossos;
  • Melhoria na circulação e funções do coração e pulmão;
  • Aumento do autocontrole;
  • Redução do estresse e depressão;
  • Aumento da habilidade de concentração;
  • Melhoria na qualidade de sono;
  • Socialização da criança.

O exercício físico mais indicado para crianças é aquele que pode ser feito diariamente adequando-se a esta faixa etária. As atividades não devem ser utilizadas como punição e nem demasiadamente competitivas.

Algumas dicas simples podem fazer com que a criança gaste as suas energias. Por exemplo: deixe que seu filho leve a mochila nas costas ou que empurre o carrinho até a porta da sala de aula. Além de dar mais autonomia para a criança, isso também ajudará no gasto calórico. Mas sempre esteja atento com o peso extra nas costas dos meninos e meninas, que podem causar problemas na coluna.

Resgate as atividades ao ar livre. Tire a criança da frente da tela e vá a um parque. Brinque na rua, suba em árvores, estimule a andar de bicicleta e a jogar bola e sugira brincadeiras de esconde-esconde, pular corda, bambolê, ping-pong, entre outros.

Os esportes coletivos também podem ajudar a desenvolver, além das capacidades físicas e habilidades motoras, a socialização. O ideal é que a criança escolha a atividade física de sua preferência e os pais respeitem seus interesses para que haja motivação.

Como é feito o diagnóstico de obesidade infantil e quem pode ajudar no tratamento?

Para diagnóstico de obesidade em crianças, a OMS indica a utilização das curvas americanas de IMC do National Center for Health Statistics, específicas para cada gênero.

A nutricionista é de fundamental importância para auxiliar no tratamento da obesidade infantil, pois está apta para realizar a avaliação nutricional adequada à esse período da vida e traçar uma estratégia alimentar que leve em conta as preferências da criança, seu estilo de vida e rotina da família. O pediatra e o profissional de educação física também tem papel fundamental no combate à obesidade infantil.

Você é mãe, pai, tio, madrinha ou professora e quer ajudar uma criança a prevenir a obesidade infantil? Confira 12 passos para a alimentação saudável de crianças até os 2 anos de idade:

  1. Amamentar até 2 anos ou mais, oferecendo somente o leite materno até os 6 meses.
  2. Oferecer outros alimentos, além do leite materno, a partir dos 6 meses.
  3. Oferecer água própria para o consumo à criança ao invés de sucos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas.
  4. Alimentar a criança com alimentos in natura e minimamente processados.
  5. Oferecer a comida na consistência espessa quando a criança começar a comer outros alimentos além do leite materno.
  6. Não oferecer açúcar à criança até 2 anos de idade.
  7. Não oferecer alimentos ultra processados para a criança.
  8. Cozinhar para a família e para a criança a mesma comida usando alimentos in natura e minimamente processados.
  9. Zelar para que a hora da alimentação da criança seja um momento de experiências positivas, aprendizado e afeto.
  10. Cuidar da higiene em todas as etapas da alimentação da criança.
  11. Oferecer à criança alimentação adequada e saudável também fora de casa.
  12. Proteger a criança da publicidade de alimentos.

Seguir esses passos é uma ótima forma de começar a combater a obesidade infantil tornando as crianças mais saudáveis, bem dispostas e livres para aproveitarem ao máximo essa linda fase da vida!

Referências:

  1. Brasil, Ministério da Saúde. Departamento da Atenção Básica. Coordenação Geral de Alimentação qe Nutrição. Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos. – Versão para consulta pública – Brasília, junho/julho de 2018. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/julho/12/Guia-Alimentar-Crianca-Versao-Consulta-Publica.pdf
  2. Fundação Oswaldo Cruz >Início > Biossegurança >Bis >Obesidade na infância e na adolescência. Autores: Ivani Silva e Cássia Nunes. Disponível em: http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/obesidade-infantil.htm
  3. Organização Mundial da Saúde e Organização Pan-Americana de Saúde >Início >Banco de notícias >Obesidade entre crianças e adolescentes aumentos dez vezes em quatro décadas, revela novo estudo do Imperial College London e da OMS. Postado em 10.10.2017. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5527:obesidade-entre-criancas-e-adolescentes-aumentou-dez-vezes-em-quatro-decadas-revela-novo-estudo-do-imperial-college-london-e-da-oms&Itemid=820
  4. Bonfim, N.S.; Guilherme, C.S.; Saito, J.A.; Montezani, E. Obesidade Infantil: principais causas e a importância da intervenção nutricional. Revista Catussaba – Universidade Potiguar. Ano 5, n° 1, p. 31-44, out.2015/jan.2016. Disponível em: https://repositorio.unp.br/index.php/catussaba/article/view/1243
  5. Nascimento, V.G. et al. Aleitamento materno, introdução precoce de leite não materno e excesso de peso na idade pré-escolar. Rev Paul Pediatr. 2016;34(4):454-459. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v34n4/pt_0103-0582-rpp-34-04-0454.pdf

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